A Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) demonstrou preocupação com a introdução intencional de peixes na bacia do Rio Piracicaba, interior de São Paulo. Segundo a entidade, que representa pesquisadores científicos de 16 Institutos Públicos de Pesquisa, incluindo o Instituto de Pesca, a prática de estocagem de peixes, sem que haja um estudo qualificado sobre as espécies utilizadas e suas características genéticas, pode levar ao desequilíbrio da biodiversidade aquática.
“Apesar de ser uma estratégia amplamente utilizada no Brasil e com resultados positivos em algumas regiões, especialmente no Nordeste, a adoção descontrolada e sem o devido monitoramento pode levar a sérias consequências para os ecossistemas aquáticos”, alerta Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC.
Em julho deste ano, resíduos despejados por uma usina sucroenergética no córrego Tijuco Preto, segundo a Companhia Ambiental de São Paulo (Cetesb), provocaram a morte de dezenas de milhares de peixes no Rio Piracicaba, atingindo a comunidade do Tanquã. Um relatório técnico produzido por pesquisadores do Instituto de Pesca mostrou que o desastre ambiental pode ter comprometido a piracema, período de reprodução da maioria das espécies nativas, que na região Neotropical se estende durante o verão, de novembro a fevereiro.
Na última sexta-feira (4), a prefeitura de Piracicaba, em parceria com a AES Brasil, realizou a soltura de 95 mil alevinos de Pacu-guaçu,espécie nativa da região, mas originalmente pouco abundante naquela área, de acordo com Professor Doutor Fernando Carvalho, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS – Câmpus Três Lagoas) e pesquisadora Paula Gênova, do Instituto de Pesca (IP/SAA-SP).
“Apesar de ser uma medida bem-intencionada, a soltura de peixes necessita de estudos, porque ao liberar peixes geneticamente homogeneizados, oriundos de pisciculturas, há a possibilidade de se comprometer as variedades genéticas das populações selvagens, levando à perda de características adaptativas essenciais para a sobrevivência no ambiente natural”, afirma Lutgens.
Segundo a APqC, no Brasil, a estocagem de peixes, repovoamento ou, como é conhecida, a soltura, começou a ganhar relevância com a introdução de espécies não-nativas em reservatórios nas regiões Sudeste e Sul. Tucunarés e Corvina, por exemplo, que são espécies não-nativas na bacia do Alto Rio Paraná, tiveram sucesso em colonizar esses ambientes, assim como a exótica Tilápia-do-nilo, originária da África, se tornaram localmente abundantes.
“Estudos indicam que muitos desses programas de estocagem não cumpriram o objetivo de aumentar o rendimento da pesca e, em vez disso, levaram à degradação da biodiversidade, com espécies exóticas que acabam prevalecendo ou predando as nativas”, explica. “A estocagem, que deveria ser uma medida compensatória para danos ambientais, muitas vezes é adotada por pressão política, sem uma avaliação rigorosa de seus impactos”.
Diante desse cenário, os pesquisadores destacam a necessidade de uma abordagem mais cautelosa e mais investimento em pesquisa para que ações como esta sejam feitas com critérios técnicos.
“Para que a estocagem seja uma estratégia eficaz e sustentável, é essencial que ela seja precedida por uma avaliação detalhada da necessidade dessa ação, bem como de sua viabilidade econômica, social e sobretudo ambiental, porque não adianta querer repovoar um ambiente comprometido sem condições adequadas para o desenvolvimento do ciclo vital das espécies de interesse. O monitoramento contínuo dos resultados é imprescindível, assim como o uso de métodos de marcação para distinguir peixes estocados daqueles resultantes de recrutamento natural”, afirma Lutgens com base em publicação científica realizada sobre o tema.