Bom Dia – O perigo maior

Nina está com 55 anos e carrega uma culpa sem tamanho em relação à sua mãe que faleceu há dois anos. Isso porque desde criança nunca combinou com a mãe, e sempre viveu com medo dela. Nada causava mais medo em Nina do que sua mãe. Sua mãe, Dona Fear, era tremendamente “doente”, e nunca se tratou; todos os que conviveram com ela sofreram muito.

Dona Fear era o medo em pessoa, tinha medo de tudo e de todos, e vivia repetindo um padrão de comportamento para proteger-se e à família; era só “perceber” algum perigo já vestia um véu preto na cabeça e levava os que estivessem na casa até um pequeno cômodo onde guardava alguns santos, fechava a porta, e rezava.

Nina se lembra que a mãe cuidava da casa, fazia comida, lavava roupas, enfim, fazia tudo o que uma dona de casa faz, mas só consegue se lembrar dela com o véu na cabeça, chorando, rezando, falando muito sobre perigo, morte, e sempre sente-se mal quando tem essas recordações.

O maior medo de Dona Fear era de chuva, bastava ameaçar chover e todos iam para o pequeno “santuário”. Nina sentia-se sufocar naquele lugar, e a figura de sua mãe com aquele véu preto assumia proporções “demoníacas”. Ela “morria “de medo da mãe.

Durante uma tarde de chuva a família estava toda presa no “santuário”, inclusive o pai de Nina, e a porta fechada com uma tranca. Nina tinha 13 anos e sentiu que ia morrer ali, numa atitude corajosa abriu a porta e saiu correndo pela casa. Como sua mãe saiu atrás dela gritando, Nina abriu a porta da cozinha e saiu para o quintal, na chuva.
Que delícia.

Liberdade.

Apenas uma chuva deliciosa, a natureza em festa, as árvores felizes, a grama contente, o sol alegre por trás das nuvens brincalhonas, passarinhos revoando dando-lhe boas vindas. Nina nem percebeu que sua mãe fechou a porta da cozinha deixando-a para fora, simplesmente curtiu a chuva e aquela tarde maravilhosa.

Quando a chuva passou Nina voltou para casa e a mãe lhe deu a maior surra de toda a sua vida, depois a prendeu no “santuário” até o dia seguinte. Desse dia em diante Nina passou a enfrentar a mãe, fugia dos seus rituais de medo, apanhava, era punida, mas libertou-se, do medo, e do comportamento da mãe.

A mãe sempre foi a diferença em sua vida, em todos os contextos: escola, namoro, trabalho, casamento, assim que pode Nina saiu de casa e nunca mais voltou. Seu pai morreu logo que Nina se casou, e sua mãe ficou morando sozinha, pois seus outros filhos também saíram assim que puderam.

Há quatro anos Dona Fear ficou demente e Nina a colocou em um asilo. Ninguém da família tomou nenhuma iniciativa, mas depois que Dona Fear faleceu não faltaram críticas contra Nina. Hoje Nina está se permitindo falar sobre seus sentimentos em relação à mãe, com quem nunca conseguiu estabelecer nenhum contato afetivo. Ela vai ficar livre desse tormento rapidinho.

Deve haver algum engano

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