A “Vechiaia” por Flávio de Senzi

A “Vechiaia” – Está chegando e não dá pra deixar de refletir. Tudo começou assim. Um dia, assim sem mais, me chamaram de “Seo Flávio”. Nem percebi o “Seo”. A partir desse dia, porém, comecei a notar que o “Seo Flávio” virou uma constante. Também percebi que começaram a me tratar por “Senhor”. Eu dizia: “pode me chamar de você” Entrei um dia no metrô e uma “jovem” de uns 30 anos me ofereceu o lugar. Fui pego tão de surpresa, que recusei. Outras vezes aconteceram no metrô, no ônibus… Me recusava a entrar em fila para idosos. Não porque eu não queria ficar velho, mas era porque não me sentia velho. Velho, para mim, é aquele senhor que anda curvado, devagar, muitas vezes de bengala. E eu não era (e não sou ainda) assim. Um dia percebi que eu estereotipava a imagem de velho. Essa imagem era de um velhinho bem “velhinho”, havia muitos outros como eu, envelhecendo e sem bengala. E assim, caí na real, e fui buscar minha carteirinha no Clube da Saudade. Agora faço parte da “melhor idade” expressão de algum debochado para ironizar os velhinhos. Melhor idade, o escambal! Desde quando ficar velho é a melhor idade?

Velho, Mas Não Obsoleto – Estou envelhecendo, mas continuo ativo e com saúde – alguns probleminhas, mas sobre controle. Continuo de pé e respirando, com a cabeça boa e no pique. E espero ficar mais velho, mas com saúde e continuar independente e com gás, ainda que com menos gás. Se não for assim, prefiro partir. Ficar entravado e dependente, tô fora. Tem gente que diz que não quer ficar velha. Bobagem! Têm tantos idosos, homens e mulheres, que se cuidam, mantêm boa aparência e não demonstram a idade. Depois, como não ficar velho? Só indo embora antes. Portanto… Melhor ficar velho, não acha?

Perdas – São inevitáveis com a idade. A visão já não é mais a mesma, o que no meu caso não faz diferença, desde os 11 anos que não é; a audição está boa, é só falar alto que eu escuto; o raciocínio… Bem, ainda sou capaz de somar 2 + 2; correr… Só com tartaruga! O equilíbrio está bom. Visto a calça sem me apoiar em nada, ficando em um pé só… Desde que me segurem. Subo bem escadas, piso no primeiro degrau, fico parado e logo desço sem dar um passo. Perdi altura, tinha 1,80 m, agora tenho 1,78, onde foi parar esses dois centímetros? Não foram parar na balança, continuo com o mesmo peso. E a saúde? É a pior das perdas. Não virei um pássaro, O Condor, com dor aqui, com dor ali… Sim, diabetes e pressão alta, os probleminhas, estão controlados, continuo tomando minha cervejinha de fim de semana. Os mais novos, como que se preparando para a velhice, dizem que as perdas físicas são compensadas pela experiência e sabedoria. Mas quem se interessa pela experiência de tempos passados? Quem quer saber da sabedoria e das ideias de um velho que é apegado a elas porque não tem outras?  Sabedoria se aprende ao longo da vida, experiência se adquire. Pra que servem a um velhinho? Ajuda alguma coisa? Até agora não sei, mas sei que não é para dizer “que no meu tempo…”

Tempo – Sim… Entre tantas perdas, há uma que se transforma em ganho: é a pressa. Porque pressa agora com maior disponibilidade de tempo? Ironia! Temos mais tempo… com menos tempo. Então me dedico ao que eu gosto. Ler é uma delas e dá-lhe livro; ouço minhas músicas, meus artistas favoritos depois que eu tiro o pó dos CDs; comecei rever fotos antigas e por ordem nelas; a escrever e quem sabe publicar um livro um dia; a tomar meu cafezinho na praça; a usar as redes sociais para descobrir amigos de outros tempos e manter conversas; pequenas coisas sem importância antes, hoje me dão prazer. Fico tão entretido que não vejo a hora passar. Outra coisa é ter bom humor. Pode ajudar o bom funcionamento do corpo, segundo especialistas. Não sou de riso fácil, de humor transbordante, então tento evitar o mau humor, que é o pior. Até para ficar velho dá trabalho.

Vencedor – “Puxa! Como cheguei a essa idade?” É a pergunta que fiz ao passar a limpo toda minha vida. Como explicar que consegui me livrar de armadilhas, obstáculos, perigos, doenças, acidentes, desastres naturais e todas as desgraças infinitas que assolam a vida desde o momento em que nascemos. Como superei são e salvo tantas probabilidades de ter a vida interrompida, como morrer atropelado, sofrer acidente de carro, de ônibus…; não ter uma doença fatal, não ser atingido por um tijolaço, um estilhaço, um raio, um tiro… E olha que passei por perigos: por duas vezes estive sob a mira de uma arma; mais de uma vez quase sofri um acidente de carro. Por quem fui protegido, sustentado, amparado, por quais mãos? Não sei a resposta. Tudo o que sei é que posso me considerar um vencedor… Até aqui!

E O Fim? – Todas as religiões, de um jeito ou de outro, pregam a vida após a morte. É bom acreditar nisso, ameniza nossa frustração de que tudo acaba com a morte; um consolo de que vamos encontrar um dia com quem já se foi, quando chegar nossa hora; de que nossa vida continua num outro plano. Promessas tentadoras. Quem não gostaria de encontrar seus pais? Sua família… Amigos? E ainda continuar com a vida? Se por um lado quero acreditar que a morte não é o fim, por outro… Meu lado racional não assimila essa ideia. A ciência se debruça há séculos para comprovar essa tese e até hoje não houve nem o menor dos indícios que prova haver vida após a morte. Sim, crenças religiosas afirmam que há, mas sem o carimbo da ciência. E a fé precisa de ciência?

Sim! É O Fim – Norberto Bobbio, grande filósofo italiano, escritor, historiador, morto em 2004, aos 94 anos, encarava a morte com rigor científico. Ele escreveu aos 87 anos: “a morte é o fim último… porque se morre uma única vez. O fim da vida é ao mesmo tempo o fim primeiro e o fim último. Aqueles que admitem uma segunda vida depois da morte não admitem uma segunda morte, porque uma segunda vida, se existe, é eterna, é uma vida sem morte”. E continua seu texto: “Tudo o que teve um princípio tem um fim. Porque o fim da vida deveria, ao contrário de todos os acontecimentos naturais e históricos, ter um novo princípio? Só o que não teve princípio não tem fim. Mas o que não tem princípio e fim é o eterno”. Quem é o eterno adorado? Bem, de qualquer forma, um dia vou ter a confirmação se há ou não outra vida. Só uma questão de tempo. Não tão longo agora.

Bom Humor – Depois de tanta conversa vamos a nossa tradicional sessão do riso. Faz bem a saúde. Dois mineiros riquíssimos, adversários políticos, um da cidade e outro da roça, encontram-se na única barbearia da cidade. Cada um senta de um lado e não trocam palavras e nem olhar. Os barbeiros temiam qualquer conversa, pois isso poderia descambar para uma discussão e o “coroné” Arzebundo, da cidade, era brabo, o “coroné” Hortoleysson, do campo, era gozador e ambos andavam armados. Terminaram a barba de seus clientes quase ao mesmo tempo. O barbeiro que atendia o “coroné” Arzebundo pegou a loção pós-barba e foi interrompido por ele que disse – Não, obrigado. Minha esposa vai sentir o cheiro e pensar que estive na zona. O outro barbeiro que atendia o “coroné” Hortoleysson perguntou – E o senhor quer a loção? – Uai! “Popassá”, sô! Minha muié num sabe memo como é cheiro de zona. Nunca trabaiô lá! A barbearia está fechada há um ano para reforma.

Publicações relacionadas