CAMILA MATTOSO E ITALO NOGUEIRA, ENVIADOS ESPECIAIS, E RANIER BRAGON
ANGRA DOS REIS, RJ, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ) usa verba da Câmara dos Deputados para empregar uma vizinha dele em um distrito a 50 km do centro de Angra Dos Reis (RJ).
A servidora trabalha em um comércio de açaí na mesma rua onde fica a casa de veraneio do deputado, na pequena Vila Histórica de Mambucaba.
Segundo moradores da região, Wal, como é conhecida, também presta serviços particulares na casa de Bolsonaro, mas tem como principal atividade um comércio, chamado “Wal Açaí”.
Walderice Santos da Conceição, 49, figura desde 2003 como uma dos 14 funcionários do gabinete parlamentar de Bolsonaro, em Brasília, recebendo atualmente salário bruto de R$ 1.351,46.
Segundo moradores da região, o marido dela, Edenilson, presta serviços de caseiro para Bolsonaro. O deputado federal mora na Barra Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, e tem desde o final dos anos 90 uma casa de veraneio em Mambucaba.
A reportagem falou com moradores da vila, que tem cerca de 1.200 habitantes, segundo a Prefeitura de Angra. Foram colhidos quatro relatos gravados de moradores confirmando que o marido de Walderice é o caseiro do imóvel de veraneio de Bolsonaro.
As portas do estabelecimento “Wal Açaí”, na mesma rua, foram fechadas às pressas nesta quinta-feira (11) assim que se espalhou a presença de repórteres na região.
Os registros oficiais da Câmara dos Deputados mostram que a secretária parlamentar de Bolsonaro passou nesses 15 anos por uma intensa mudança de cargos no gabinete -foram mais de 30.
Em 2011 e 2012 ela alcançou alguns dos melhores cargos -são 25 gradações-, chegando ao topo, SP-25, no segundo semestre de 2012. A função, com salário que pode chegar a R$ 14,3 mil, é normalmente reservada a chefes de gabinete.
A reportagem esteve em Mambucaba na manhã desta quinta-feira para procurar a funcionária de Bolsonaro. No caminho para a casa de Walderice, a reportagem a viu saindo da casa do deputado. Ela foi chamada, mas pediu “um minutinho” e entrou de volta no local.
Logo depois, um outro vizinho de Bolsonaro abriu a porta convidando a reportagem para entrar. “Venham conhecer o homem”. O presidenciável apareceu em seguida, com um outro auxiliar, que estava com o celular gravando a situação.
Quem estava com as chaves era justamente o marido de Wal. “Tem jabuticaba aí, Edenilson?”, perguntou o presidenciável.
De acordo com depoimentos colhidos pela reportagem, o marido da funcionária de Bolsonaro pintou a casa de veraneio recentemente.
PATRIMÔNIO
A Folha de S.Paulo publicou no domingo (7) que o presidenciável e seus três filhos parlamentares multiplicaram o patrimônio na política, reunindo atualmente 13 imóveis em áreas valorizadas do Rio e de Brasília, com preço de mercado de cerca de R$ 15 milhões.
Na dia seguinte, o jornal mostrou que Jair e seu filho Eduardo, também deputado federal, receberam R$ 730 mil de auxílio-moradia da Câmara desde 1995 (Eduardo desde 2015) mesmo tendo apartamento próprio em Brasília.
O auxílio-moradia é pago a deputados que não ocupam apartamentos funcionais no DF. Como há mais deputados do que vagas em imóveis destinados a eles, a Câmara desembolsa para cada um desses, por mês, R$ 4.253.
Na terça (9), o deputado divulgou um número inflado da economia que teria feito aos cofres públicos nos últimos oito anos.
O presidenciável publicou uma tabela anual com o total de seus gastos do “cotão”, a verba mensal que cada deputado tem para custeio de atividades relacionadas às suas atividades legislativas na Câmara.
Bolsonaro afirmou na publicação que teria devolvido aos cofres públicos R$ 1,3 milhão de 2010 até 2017. Na verdade, segundo as informações da Casa, o deputado gastou muito mais. Pelos números da Câmara, o parlamentar consumiu nos oito anos R$ 2,5 milhões do “cotão”, não R$ 1,7 milhão, como ele havia publicado.
OUTRO LADO
O deputado nega que tenha utilizado dinheiro da Câmara para pagamentos de serviços da casa e que Walderice Santos da Conceição seja uma funcionária fantasma de seu gabinete em Brasília.
Questionado sobre qual seria o trabalho desempenhado por ela, Bolsonaro respondeu: “Ela reporta a mim ou ao meu chefe de gabinete qualquer problema na região”. “Não tem uma vida constante nisso. É o tempo todo na rua? Não. Ela lê jornais, acompanha o que acontece”, disse ele.
A reportagem pediu ao presidenciável algum exemplo de serviços parlamentares prestados pela funcionária.
“Peraí, ela fala com o chefe de gabinete”, afirmou. “Como é que eu vou saber? Se eu mantiver um contato diário com meus 15 funcionários, eu não trabalho”.
Bolsonaro foi questionado sobre as diversas movimentações salariais que fez para Walderice ao longo dos quase 15 anos de trabalho prestado. “O que de vez em quando acontece: um funcionário é demitido. Aquela verba que ‘sobra’ então a gente destina para um [outro] funcionário, por pouquíssimo tempo. Tem uma verba fixa para pagar funcionários. Ganha tão pouco, por que não posso dar uma ajuda por dois, três meses?. Em vez de pagar R$ 1.300, paga R$ 1.500 ou R$ 2.000”.
Sobre o marido, Bolsonaro negou que ele atue como caseiro para ele, mas afirmou que Edenilson o ajuda na casa, inclusive dando comida para os cachorros. “Não vai querer mover uma ação trabalhista porque ele vem duas ou três vezes por semana aqui.”
Em um vídeo no Facebook, Bolsonaro diz que sua casa em Angra “é onde, segundo a Folha de S.Paulo, eu tenho uma mansão”.
A reportagem escreveu que o deputado declarou um terreno na região em 1998. Incluiu o imóvel na relação do total de 13 da família, sem chamá-lo de “mansão”.
Bolsonaro afirma que os repórteres estiveram no local para conferir a “mansão”.
A reportagem visitou a região para confirmar se a funcionária do seu gabinete realmente vive e trabalha na mesma rua da residência do deputado.