Pedro Castilho*
Não é segredo para nenhum gestor de tecnologia que nos últimos anos tem sido cada vez mais difícil contratar profissionais com alto nível técnico. A “corrida pelos sêniores” tem se tornado um fato inescapável da gestão de tecnologia no Brasil. Levando em conta a competição do exterior e um Real desvalorizado, não há um caminho sustentável para a manutenção da capacidade técnica nas empresas de tecnologia brasileiras que não passe por tornar a educação continuada dos colaboradores um ponto focal da estratégia de negócios.
A pandemia de COVID-19 abriu as porteiras do trabalho remoto, que vinham se desenhando gradualmente, de sopetão, e assim apresentou a toda uma geração de devs brasileiros e brasileiras a ideia de que seu trabalho não precisava estar atrelado a uma localidade específica. Essa transição, associada ao crescimento contínuo da demanda por pessoas capazes de liderar processos cada vez mais necessários de transformação digital, introduziu um grau de competição jamais antes visto entre as empresas para recrutar as “melhores” pessoas.
Os profissionais vistos como melhores, claro, são em geral sêniores, capazes de se autogerir e, em certa medida, realizarem projetos sem grandes orientações da parte da empresa. Embora muitas companhias, da forma como estruturam-se, precisem de muito mais pessoas sêniores do que têm no momento, há dificuldades significativas em preencher as vagas sênior abertas no país. Há uma série de razões para esse fenômeno, dentre as quais se destaca a forte competição que o mercado de desenvolvimento de software brasileiro vem sofrendo de empresas no exterior, especialmente dos Estados Unidos e também da Europa. Desta forma, torna-se inviável para empresas brasileiras acompanharem salários que seus competidores estrangeiros são capazes de oferecer.
Algumas (mas ainda poucas) recorrem a benefícios como maior flexibilidade de horários e horas mais curtas para atrair devs. Existe, contudo, uma estratégia ainda muito longe de seu máximo potencial: A capacitação de talentos “dentro de casa” – que é mais possível hoje do que jamais antes. O Brasil vive o momento de um imenso boom de formação de novas pessoas desenvolvedoras, devido à ampla disponibilidade de bootcamps e faculdades EAD. Para criarmos um setor de informática sustentável no Brasil, urge à indústria tomar à frente do esforço de capacitá-las.
A própria mentalidade de que é necessário contratar principalmente sêniores vem, frequentemente, de uma presunção de impossibilidade de melhorar simultaneamente os sistemas voltados à educação dos colaboradores e os negócios da empresa. A realidade, entretanto, é que o contexto do qual as pessoas que desenvolvem necessitam para trabalhar não é distinto do contexto do qual qualquer outra área da empresa precisa para operar – isto é, uma noção clara de como funcionam e como devem funcionar os negócios da organização.
Não apenas as pessoas da área de desenvolvimento de software necessitam dessa informação para construir sistemas empresariais, mas elas podem participar ativamente da estruturação do negócio desde os níveis mais fundamentais do conhecimento técnico.
A apresentação desse contexto às pessoas desenvolvedoras e o encorajamento para que documentem e expressem as regras do negócio de forma que faça sentido a partir das atividades diárias de desenvolvimento e operações, constrói não só capacidade de autogestão nos profissionais de menor senioridade, mas também encoraja a empatia em toda a empresa em relação à realidade de tecnologia – e desbloqueia a possibilidade de construirmos sistemas que capacitam nossos colaboradores e potencializam as interações entre pessoas que viabilizam as operações empresariais.
*Pedro Castilho é cofundador e CTO da Cumbuca, primeira fintech brasileira a oferecer conta compartilhada gratuita via aplicativo, uma espécie de conta conjunta reinventada. Formado em Engenharia da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco, o especialista desenvolve software há mais de 10 anos. Com atuação na área de tech, Pedro teve passagens por empresas como a Hash, na posição de engenheiro de software, e antes de ingressar na fintech Cumbuca, foi Diretor de Tecnologia do aplicativo UmHelp, liderando a equipe de desenvolvedores na implementação e manutenção de um marketplace de serviços de limpeza focado em diaristas.