Fechamento de Casas da Agricultura prejudicaria agricultores familiares da região de Catanduva

A Associação Paulista de Extensão Rural (APAER), organização que reúne especialistas que atuam com assistência técnica e extensão rural em todo o estado, recorreu ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) para ter acesso ao plano de reestruturação da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, que prevê o fechamento de 574 Casas de Agricultura no Estado, ligadas à Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS – mais conhecida como CATI), e também mais da metade (48) dos Escritórios de Desenvolvimento Rural e Escritórios de Defesa Agropecuária, das 80 unidades em funcionamento hoje. Servidores têm sido informados, por meio de apresentações feitas pela própria Secretaria, sobre a intenção de desativar os prédios usados pela CATI e pela Defesa Agropecuária.

A justificativa usada para uma proposta de reestruturação, que levará a diminuição de diversos serviços de atendimento às populações rurais mais vulneráveis, é parte do plano de ajuste fiscal proposto pelo governador de São Paulo, João Doria. O governo do Estado quer fazer essa opção com o argumento de que é para compensar um déficit no orçamento de R$ 10 bilhões estimado para o ano que vem.

Além da intenção de fechar as Casas de Agricultura, o governo do Estado enviou para a Assembléia Legislativa o projeto de Lei 529 no início de agosto deste ano. Com essa iniciativa pretende “extinguir cerca de 1000 unidades administrativas”, incluindo unidades de áreas da saúde, do Instituto Florestal e da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (Itesp) – este último responsável pela aplicação da política agrária e fundiária do Estado, orientando mais de 10 mil famílias de produtores rurais, distribuídas em mais de 140 assentamentos rurais e, para mais de 1445 famílias, de 60 comunidades quilombolas por todo o estado.

“O fechamento das Casas de Agricultura vai atingir diretamente cerca de 300 mil agricultores familiares do Estado que recebem orientação dos extensionistas que atuam no meio rural, comprometendo o desempenho dessas pequenas propriedades, prejudicando e encarecendo a produção de alimentos essenciais para nossa sociedade como leite, frutas, ovos e hortaliças. Existem outras formas de diminuir o déficit no orçamento – diminuir a desoneração fiscal de grandes empresas é uma delas”, afirma Antônio Marchiori, presidente da APAER.

Na representação ao MP-SP, a associação reforça a preocupação para que “não ocorram perdas para os produtores de alimentos dependentes do serviço de assistência técnica e extensão rural pública”. Além dos assentamentos e das comunidades quilombolas que deixariam de ser atendidas com a extinção da Fundação ITESP, comunidades indígenas também seriam prejudicadas por deixar de contar com o apoio das Casas da Agricultura.

Pelo plano da Secretaria, em um ano as Casas de Agricultura seriam fechadas e os municípios passariam a ter que recorrer “a figura da Unidade de Representação Municipal”. Esse novo modelo pressupõe o atendimento de demandas via uma central de atendimento (0800) que faria uma triagem e, caso julgar necessário, direcionaria um profissional para atender a consulta.

A APAER avalia que a transferência dos serviços prestados pelas Casas de Agricultura para os municípios via convênio trará prejuízos para os agricultores familiares, visto que poucos municípios contam com estrutura capaz de suprir essa demanda com qualidade e eficiência.

“Além de querer transferir para os municípios responsabilidades previstas como dever do Estado na nossa legislação, essa reestruturação pretende direcionar os atendimentos ao agricultor familiar para acontecer por meios digitais. Um dos grandes problemas para que isso fosse mais pé no chão é que, na maioria das propriedades rurais, o sinal de internet é precário. Quando o agricultor acessa a internet pelo celular, ela é de baixa qualidade, o que dificulta o acesso a sistemas de informação. O serviço de extensão rural é um processo educativo, baseado em relações de convivência e confiança. Ferramentas digitais podem e devem ser usadas para melhorar, e não para substituir relações humanas que são essenciais para uma extensão rural de qualidade”, explica Marchiori.

Sobrecarregados

A intenção do Governo Doria de fechar as Casas de Agricultura nos municípios começou em março do ano passado, com a publicação de decreto que alterou o nome da CATI e transferiu para os extensionistas diversas atribuições que antes eram da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. Com essa mudança, as Casas da Agricultura ficaram obrigadas a fazer a gestão do Sistema de Cadastro Ambiental Rural e também com a obrigação legal de fazer a regularização ambiental de cerca de 280 mil imóveis rurais.

“É um cenário completamente contraditório. Em vez de fechar, as Casas de Agricultura precisam de investimentos para dar conta de cumprir com as novas atribuições e não deixar o produtor familiar desamparado”, justifica Abelardo Gonçalves Pinto, vice-presidente da APAER.

Um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e publicado pela Revista Pesquisa, da Fapesp, mostrou que a cada R$ 1 investido em extensão rural, pesquisa e desenvolvimento, além de educação superior, R$ 12 retornam para a sociedade. No caso específico da extensão rural, o retorno por real investido foi de R$ 11. Os dados foram extraídos do livro Contribuição da Fapesp ao desenvolvimento da agricultura do Estado de São Paulo, que reúne as conclusões de um projeto de pesquisa realizado entre 2013 e 2018.

O alimento produzido nas lavouras de pequenas propriedades pela agricultura familiar abastece o mercado nas cidades e fornece, cada vez mais, alimentação saudável para crianças nas escolas públicas de todo o Brasil. Desde 2009, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), 30% dos recursos investidos para a compra de gêneros alimentícios devem ser destinados para alimentos da agricultura familiar (diretrizes estabelecidas na Lei nº 11.947/200), orientados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento para a Educação (FNDE).

Extensionistas e o sucesso da produção

Além de garantir maior produtividade e impulsionar a economia paulista, contribuindo para que 15% do Produto Interno Bruto (PIB) de São Paulo venham da agricultura, o trabalho dos extensionistas é um importante instrumento de transformação social. Em todas as regiões do Estado, produtores familiares se somam a casos de sucesso de empreendedorismo rural.

A APAER destaca que a agricultura familiar tornou-se a principal forma de produção agrícola de muitas cidades brasileiras, principalmente no Estado de São Paulo. Fortalecer a extensão rural para a agricultura familiar representa uma estratégia de desenvolvimento econômico, social, cultural e sustentável.

A orientação adequada prestada pelos extensionistas influi na diminuição do desemprego, combate à fome e desnutrição, e estimula o consumo de alimentos regionais e saudáveis pela população.

“Os extensionistas levam para essas propriedades o conhecimento necessário para tornar a produção lucrativa, além de garantir resultados de forma sustentável. Os extensionistas têm papel fundamental para que o manejo dos recursos naturais seja feito sem prejudicar o meio ambiente e essa é uma demanda urgente e global que não pode simplesmente ser encerrada”, destaca Gonçalves.

Mais informações:

https://apaerextensao.wixsite.com/apaer

Fonte: Agência Fato Relevante

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