Medidas de distanciamento social impostas devido à pandemia têm dificultado o contato físico. Pesquisador explica qual a importância do toque e dá dicas para quem vem sofrendo com a falta dele.
Quando nos abraçamos, uma sensação de calor toma conta do nosso corpo. Ocupamos mais espaço no ambiente, e os limites interindividuais desaparecem − mesmo que apenas por alguns segundos. Um abraço nos dá a sensação de confiança, carinho, segurança e conforto. Também toques físicos como um aperto de mãos, uma carícia ou mesmo beijinhos aos nos cumprimentarmos são essenciais para os seres humanos.
Em meio à pandemia do novo coronavírus, as medidas restritivas para conter a doença fizeram com que tivéssemos que abir mão de grande parte desses contatos físicos. E muitos só se conscientizaram da importância dessas interações depois que deixaram de acontecer.
Por que precisamos de contato físico?
“Nossa espécie, Homo sapiens, pertence à classe dos mamíferos que precisam de ninhos”, explica Martin Grunwald, professor de Psicologia e chefe do Laboratório de Háptica da Universidade de Leipzig.
“Os primeiros estágios da vida de nossa espécie só são bons para nós se houver contato físico suficiente, ou seja, bastante estímulo corporal. Nenhuma criança pode se desenvolver bem se não for também suficientemente estimulada fisicamente. Os estímulos de toque levam ao crescimento neural e físico.”
A importância dos contatos sociais e dos estímulos de contato para o crescimento também é demonstrada por um estudo sobre órfãos romenos publicado em 6 de janeiro de 2020 na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Nessas crianças, os cérebros eram menores do que nos grupos usados como comparação, devido a grave negligência e falta de estímulo mental.
De acordo com Grunwald, os estímulos de toque também são “muito importantes para a regulação do estresse”. Outro “efeito colateral” da interação corporal é a “garantia de que não estamos sozinhos neste mundo”. Nesse sentido, o toque tem uma função social central. “Este nível físico de nossa comunicação também serve para desenvolver, construir e manter relações boas e estáveis, longe de qualquer atividade sexual e longe de qualquer motivação sexual.
Mas o professor Grunwald salienta que para um contato físico ter um efeito positivo sobre nós, muitas condições devem ser satisfeitas. “Ele deve ser feito na hora certa pela pessoa certa com a força certa na parte certa do corpo.”
Toque físico produz relaxamento
E o que acontece em nosso cérebro quando uma pessoa próxima nos toca de forma certa e adequada? “No nível perceptual, tais estímulos de toque são transformados em emoções positivas”, diz Grunwald.
Nosso cérebro reage a esses contatos ativando várias de suas áreas. Assim, o corpo libera certos neurotransmissores e também hormônios que, entre outras coisas, levam o corpo inteiro a um novo estado.
“No nível neuropsicológico, neurobiológico, nosso cérebro transforma os estímulos de toque em estímulos de relaxamento, ou seja, em uma reação de relaxamento”, explica o especialista.
Renúncia consciente causa estresse
Para reduzir o risco de contrair covid-19, estamos agora evitando ao máximo o contato físico, e isso tem suas consequências. Mas as proibições de contato, também conhecidas como “distanciamento social”, são percebidas de forma diferente por cada um.
O quanto isso nos atinge depende de quão forte é nossa necessidade de interação física. Há pessoas que precisam muito de contato físico, e há as que preferem viver sozinhas. Afinal, há gente que prefere não ser tocada.
“Se você tem uma forte necessidade de interação física − ou está acostumado a ela em sua vida cotidiana − e agora tem que passar sem ela, isso naturalmente leva a um aumento das reações de estresse pois você tem que se controlar”, diz o pesquisador.
“Qualquer forma de controle consciente e renúncia significa, naturalmente, que reagimos aumentando as emoções de estresse. Os medos também são gerados porque o efeito calmante da interação corporal familiar está faltando na vida cotidiana”, diz Grunwald.
Segundo o especialista, isso deve ser levado a sério: “Dependendo da necessidade, a renúncia à comunicação física também pode produzir sintomas clinicamente relevantes.”
Abraço de alguém ou auto-abraço?
E se nós mesmos nos abraçarmos, o efeito será o mesmo? “Claramente não”, responde o psicólogo. “Se nós próprios pudéssemos produzir os mesmos efeitos através do contato físico, não seríamos seres sociais.”
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A interação corporal é uma parte da comunicação interpessoal. Grunwald enfatiza: “O auto-abraço não leva a esta reação de relaxamento. E a sensação de proximidade, como experimentamos na interação corporal com outras pessoas, não é a mesma.”
Está em nosso DNA social
Na pandemia, nos acostumamos a evitar o contato físico com conhecidos e amigos, fazer compras, sorrir e cumprimentar as pessoas atrás da máscara e manter distanciamento físico.
Embora o ser humano seja uma criatura de hábitos, não chegaremos ao ponto de nos acostumarmos permanentemente a esse comportamento de emergência. E também não esqueceremos que somos seres sociais assim que o perigo tiver passado.
“A interação corporal com o próximo é parte de nossa forma de vida como Homo sapiens e isto está, por assim dizer, em nosso DNA biológico ou em nosso DNA social. Ele é moldado por nossas experiências como crianças, já como bebês. Encontraremos nosso caminho de volta a estas formas básicas de comunicação”, diz Grundwald.
A geração mais jovem, em particular, fará progressos. “Eles se recuperarão e conquistarão seu espaço de comunicação corporal porque ainda têm a vida inteira pela frente”, acredita o psicólogo.
“A opção pelo parceiro ainda não aconteceu, assim como a escolha da profissão, toda a personalidade ainda tem que amadurecer, e isto inclui uma comunicação intensiva com os outros seres sociais.” E nada disso poderia ser feito através de encontros online ou videoconferências, aponta.
Os jovens não sabem se abster
Nem todas as faixas etárias são igualmente afetadas pela falta de contato físico. Adolescentes e adultos jovens são particularmente afetados pelas restrições impostas durante a pandemia.
“Este grupo em especial gosta de se comunicar, conhecer outras pessoas, explorar novos ambientes, e isto inclui o contato com outras pessoas”, enfatiza Grundwald. “Claro que é difícil banir este grupo agora para trás dos monitores e notebooks.”
Quanto mais nova a pessoa, mais difícil é para ela abster-se de algo. “Os idosos conhecem bem isso. Mas os jovens ainda não tiveram essa experiência de renúncia. O [estresse mental] causado pelo novo coronavírus é, portanto, muito maior entre as pessoas jovens do que entre as mais velhas.”
Substituto para a falta de contato
Mas como compensar a falta de contato durante a pandemia? Ajudaria abraçar árvores, como recomenda o Serviço Florestal da Islândia? O cientista sugere: “Talvez seja melhor para quem vive sozinho e sofre com a falta de contato social cuidar dos bichinhos de um abrigo de animais.”
Tato: a pele como ferramenta para perceber o mundo
“Pesquisas mostram claramente que, quando nossa espécie interage com outros mamíferos, ambos os lados se beneficiam”, diz Grunwald, que escreveu suas descobertas no livro Homo Hapticus. Outra dica dele é buscar massagens fisioterapêuticas com profissionais da área.
Ele tem certeza de que a humanidade sobreviverá também desta vez: “Ela já superou muito, seja a peste, a cólera, as guerras mundiais. Nem o Muro de Berlim durou para sempre, e nós também sobrevivemos a Donald Trump. Portanto, também haverá um período pós-covid-19.”
Fonte: dw.com