O copo americano está presente em obras visuais de artistas como Robson Emerick, em Belo Horizonte, MG e Renato Gosling, em São Paulo, SP. A leitura proposta por @mari.del.vecchio, porém, insere novos elementos de reflexão. Se o primeiro vai para o campo escultórico e o segundo busca uma reflexão na esfera da reprodutibilidade próxima da pop art, a artista percorre outros caminhos.
O célebre copo foi criado pelo empresário paulista Nadir Figueiredo em 1947 e ganhou esse nome porque era produzido por uma máquina importada dos EUA. Tornou-se o copo “oficial” para servir pingado, cachaça, café e refrigerante, sendo considerado, nos anos 1990, o melhor copo para se tomar cerveja.
Em Minas Gerais, por exemplo, ele foi rebatizado como Lagoinha. O responsável foi o senhor Joaquim Sétimo Vaz de Melo, mais conhecido como Seu Quinquim. Ele vendia o copo em um comércio que ficava em uma esquina que demarcava o início da antiga Praça Vaz de Mello, local de intensa atividade comercial e de botecos, onde o copo foi ficando famoso, sendo logo identificado com o bairro Lagoinha, uma das zonas boêmias de Belo Horizonte.
Estima-se que já foram produzidas mais de 6 bilhões do copo americano. Feito de vidro, de formato cilíndrico, conquistou um lugar no design nacional, sendo muito utilizado em padarias e bares e no cotidiano das famílias como medida para receitas de cozinha ou de uso de sabão em pó.
O copo original, com 190 ml, foi internacionalmente reconhecido ao ser exposto, em 2009, no MOMA de Nova York, EUA, como símbolo do design brasileiro. Curiosamente, em 2019, quando a H.I.G. Capital, sediada em Miami, adquiriu o controle acionário da Nadir Figueiredo, o brasileiro “copo americano” se tornou, de fato, americano.
Na criação da artista brasileira, o copo surge mesclado com a técnica conhecida como Kintsugi, também conhecida como Kintsukuroi, arte japonesa de reparar uma cerâmica quebrada com laca espanada ou misturada com pó de ouro, prata ou platina. Assim, o objeto de vidro sem uso se torna manifestação visual e ganha o espaço na galeria e no mercado de arte.
Um dos ícones do modo de vida brasileiro, inicialmente chamado incorretamente de americano, portanto, é transformado em cacos e reordenado por uma técnica oriental. Se o copo era um corpo brasileiro, fabricado com máquina dos EUA e se tornou um produto hoje de propriedade americana; visualmente, após estar quebrado e ser reconstruído, deixou de ser um objeto caseiro par se tornar arte.
O copo da criadora visual cristaliza assim um universo de permanentes metamorfoses, aquelas que tornam arte e vida facetas coladas da existência, como aponta a música “Not Great Men”, da Gang of Four.
A letra diz: “The past lives in the books at home/No weak men/in the books at home/History lives in the books at home/The books at home//It’s not made by great men”. A História, portanto, é feita pelos seres humanos “fracos”, aqueles que não são grandiosos e estão presentes nos copos quebrados reconstituídos pela arte.
Oscar D’Ambrosio
@oscardambrosioinsta
Pós-Doutor e Doutor em Educação, Arte e História da Cultura, Mestre em Artes Visuais, jornalista, crítico de arte e curador.