A Fita Cassete e a Vida: Reflexões Sobre o Tempo, Escolhas e Despedidas

Sendo músico por mais de 3 décadas, sempre achei muito interessante tentar associar a vida moderna com aquilo que alimenta ou alimentou os prazeres do músico. Desta vez a analogia ficou por conta do gravador de fita. A fita cassete, com sua simplicidade mecânica, é mais do que um mero registro de sons; ela reflete a forma como escolhemos viver, como controlamos o fluxo das nossas experiências e como lidamos com os desafios. Em cada momento da vida, somos o gravador, com os botões de play, pause e stop ao nosso alcance, mas também somos o ouvinte atento, aquele que acompanha a gravação e percebe o que está sendo registrado no espaço limitado da fita e no tempo que nos foi dado.

A intensidade com que escolhemos gravar as músicas na fita tem uma analogia direta com a forma como decidimos viver certos momentos. O gravador nos permite ajustar o volume da gravação: em um nível baixo, os sons parecem distantes, quase imperceptíveis; no mais alto, tornam-se claros, vibrantes, exigindo mais atenção e energia. Assim também é na vida. Em alguns períodos, preferimos um ritmo suave, permitindo que os dias fluam sem grandes ondas. Em outros, queremos intensificar a experiência, fazer com que cada momento ecoe forte dentro de nós, sem perder a chance de vivê-lo plenamente.

Enquanto o gravador registra, as luzes LED piscam, marcando o ritmo da gravação. Cada luz acesa é um sinal de progresso, como os marcos da vida que indicam o caminho percorrido. Mas essas luzes não duram para sempre. Assim como na fita, o espaço vai se esgotando, e as luzes piscam mais devagar quando o fim se aproxima. Esse processo nos lembra da efemeridade do tempo e da importância de ajustarmos nossa percepção sobre a duração e a intensidade dos momentos, para garantir que a música da vida não termine de repente.

Chegar ao final da fita é um momento de atenção. O fade-out — aquele ajuste sutil que diminui gradualmente o volume — é um gesto de respeito ao tempo. Ele impede que a música termine de forma abrupta, permitindo uma transição suave. Assim é com os ciclos da vida: precisamos aprender a encerrá-los sem rupturas bruscas, sem deixar que o tempo nos escape antes que possamos nos despedir com dignidade. Saber dar fade-out na hora certa é um sinal de maturidade, uma escolha consciente de permitir que as coisas terminem de forma harmônica, sem desespero ou pressa.

A fita cassete também nos ensina sobre escolhas. Antes de apertar o botão de gravação, precisamos decidir qual música queremos registrar. Essa escolha, aparentemente simples, carrega um peso emocional: o que queremos lembrar? Que sentimentos desejamos reviver ao apertar o play mais tarde? Escolher a música certa é como decidir quais experiências queremos valorizar. Além disso, a ordem das faixas cria uma narrativa, uma história contada pelo ritmo e pela sequência das emoções. Começamos com algo suave? Ou preferimos abrir com intensidade? Essa curadoria de momentos reflete o cuidado com a nossa própria trajetória.

No final das contas, o gravador não é apenas uma máquina para capturar sons. Ele é uma bela analogia da nossa existência: sempre em movimento, sempre registrando o que vivemos, sempre respondendo ao ritmo do tempo. O verdadeiro aprendizado está na consciência de que, mais importante do que o fim da fita, é a forma como escolhemos gravá-la. E, quando chegar a hora de dar fade-out, que possamos fazê-lo com leveza, deixando que a música se despeça de nós de maneira suave e bonita, prontos para, talvez, iniciar um novo lado da fita e ouvir novos acordes, uma nova melodia da vida…ou não.

Fredi Jon – Músico, produtor de evento, diretor artístico na Serenata & Cia – www.serenataecia.com.br 11 99821-5788

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